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O VILÃO DE SANTA LUZIA

Por Arley da Cruz

Sobrenome é mais importante que o nome. Existe uma força por trás do sobrenome. O prenome que recebemos faz parte de um momento de carinho por parte de nossas mães ou pais. É comum que a mãe nomeie um bebê, mas o pai faz questão do sobrenome. Este tem um tipo de força. Os povos originais do Brasil carregam a força do nome tribal; Tupi, Guarani, Tapuia, Caiapó, Xavante… Infelizmente, a Santa Luzia da marmelada não conservou nenhuma referência dos povos que aqui já habitavam por ocasião da chegada dos sertanistas exploradores de ouro. Nas margens do rio Corumbá viviam os povos Caiapó, não se tem certeza se de fato eram desse ramo familiar ou era apenas uma maneira de referenciar qualquer indígena que os invasores encontravam. A província era conhecida como Goyaz, em referência aos Goyazes, povos originários que estavam a muito tempo por aqui. As poucas referências dos povos originários da então terra de Santa Luzia, ( nomeação atribuída a Antônio Bueno de Azevedo, que por aqui chegou com sua turma em 13 de dezembro de 1746, dia santificado à Santa Luzia pela igreja católica), fazem menção de povos violentos, que com a devida lógica, defendiam suas posições contra invasores. Os Bororós, outra referência de povos originais da região, os tem como mais adeptos aos invasores, ou talvez pelo fato de já os terem escravizados, eram de mais fácil relação.

Pela falta de empatia com os habitantes da região, e com mais de 200 anos de extermínio dos povos originais do Brasil, Luziânia fica devendo referências àqueles que aqui já estavam a muito tempo antes da chegada dos exploradores. É o verdadeiro esquecimento. O artista D.J. Oliveira, em seu (agora alagado) painel I no antigo Largo das Três Bicas, ilustra os talvez Caiapós, uma pequena referência.

Mas Luziânia é tida como uma cidade que tem seus nomes ilustres. A referência é sempre daqueles sobrenomes que já ocuparam cargos políticos. A verdade é que os nomes: Bueno de Azevedo, Freire de Andrada, Mascarenhas, Antunes da Fonseca, Pereira Guimarães, Ribeiro da Silva, Gomes, Carvalho, Ribeiro Costa, Nerva, Valladão, Lisboa, Cunha Teles, Costa Torres, Alvares, Nogueira, Lembria, Sá, Cruz, Miranda, dentre tantos outros, foram se perdendo ou misturando em letras e falta de atenção. Um exemplo é o sobrenome Félix, comum em Luziânia no século XVIII, que se tornou Teles, por erro de cartórios, prática muito comum na época dos escribas. Roriz e Melo aparecem em registros históricos mais remotos. Não é pretensão uma exaustiva e minuciosa pesquisa de genealogias luzianas, mas a certeza de que os nomes que acendem ao poder nem sempre referenciam uma identidade, nem com a antiga Santa Luzia e tampouco com a atual Luziânia.

E o vilão? Bem, nestes 276 anos de Luziânia, em minha crônica anual, decidi resgatar um caso verídico recortado por José Dilermando Meireles, do livro Goiás de Luiz Palacin e de correções de Joseph de Melo Alvares. Luiz Palacin confundiu o fundador de Santa Luzia. No livro História de Santa Luzia de Joseph de Melo Alvares encontramos um episódio interessante da nossa história. O Vilão de Santa Luzia, ou um deles é descrito agora:

“O juiz ordinário, recebendo queixas reiteradas contra esses celerados que faziam ostentação dos seus vícios e das suas depravações, e considerando que não dispunha de força paga, e que não convinha de modo algum, expor a vida dos paisanos para expurgar o território da sua jurisdição, de gente tão perigosa, acusada de um sem número de crimes contra a honra, a vida e a propriedade, de crimes revestidos de tão hediondas circunstâncias, que revelavam a mais requintada perversidade e degradação moral, de acordo com o seu colega Bueno e outras muitas pessoas com quem se entendeu, expediu uma parada para Vila Boa, levando as ocorrências ao conhecimento do governador e solicitando as providências que elas reclamavam.

No dia 25 de março, pelas 11 horas da manhã, acabava a missa solene da Anunciação de N Sra., e o povo evacuava a capela, quando aparecem inopinadamente nove capangas de Silveira Pinto, e dirigindo-se a um grupo onde estavam dois Oficiais de Justiça, com as divisas do seu oficio, lhes disse que tinham ali vindo para quebrar a vara do juiz ordinário nas costas dele. Avisado o juiz ordinário, que se achava dentro da capela, assomou ele à porta frontal dela e ordenou a prisão dos ousados sediciosos que assim desacatavam a autoridade pública, napessoa dele.

Tão grande era o ânimo da população contra estes perturbadores que sem cessar insultavam-na, que não tinha ainda o juiz ordinário concluído a última palavra da ordem que dava, quando renhida e cruenta luta se travou entre oficiais de justiça, povo e capangas de Silveira Pinto, que no primeiro embate, a parede do frontispício da capela desabou para dentro, levando consigo os lutadores; o sangue espadanou pelas paredes num brado de pragas e blasfimias, que convulso, surdo, rouco e medonho ressoou nas abóbadas da Casa do Senhor e repetido nos ecos foi morrer no baixadão do rio Vermelho.

Silveira Pinto, com o resto da sua gente a cavalo, saía do rancho para o lugar do conflito, mas avistando ao longe uma onda de povo que para o seu lado se dirigia, com berreiros que estrugiam os ares, e considerando o que é o povo em um acesso de furor, o que é o povo indignado e sedento de sangue, receiando que, se essa onda de povo avistada se precipitasse sobre ele, uma nova hecatombe tivesse lugar, pôs-se em debandada pela estrada do norte ” …

Achei interessante trazer a tona essa história do Silveira Pinto. Quase ficou conhecido como descobridor de Santa Luzia, mas na verdade era um bandoleiro. É apenas um exemplo de tantas histórias que temos em nossa já longa trajetória. São 276 anos muito mal contados. São poucos os contadores dessa epopéia luzianiense. Mas este é o método: Esquecer nossa história ou tentar apagar o que há. Cada morador que se vai, cada casarão que deixado a míngua, desaba, incinera e morre. Cada registro oficial que é omitido pelas autoridades, escondidos, como se assim pudessem apagar seu vil nome da história de Luziânia.

Agora vamos construir os próximos capítulos de nossa história. Me apego sim ao passado e não me importo com quaisquer que me critiquem. Temos lembranças memoriais que os incompetentes de agora jamais poderão reproduzir e não poderão também apagar.

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